“Cara, você é louco. Vai gastar quinze mil reais numa coisa que pode dar água salgada ou nem dar água nenhuma”, disse meu irmão quando contei que ia perfurar um poço artesiano.
Ele não estava completamente errado. Nos primeiros seis meses depois da perfuração, pensei várias vezes que tinha jogado dinheiro fora. A água saía com gosto estranho, a bomba dava problema toda semana, e minha conta não diminuiu quase nada.
Hoje, dois anos depois, economizo R$ 340 por mês na conta de água. Mas o caminho até aqui foi cheio de perrengues que ninguém me avisou. Se você está pensando em perfurar um poço, precisa saber dessas coisas antes.
A Decisão (Meio Desesperada)
Tudo começou quando recebi uma conta de água de R$ 1.847 em janeiro de 2022. Mil oitocentos e quarenta e sete reais! Achei que era erro da companhia.
Liguei reclamando. Atendente checou tudo e confirmou: “Senhor, o consumo foi de 47 metros cúbicos. Está correto.”
47 metros cúbicos para uma família de quatro pessoas? Alguma coisa estava muito errada.
Chamei um técnico que descobriu o problema: vazamento interno na tubulação que passava embaixo da casa. Para consertar, teria que quebrar o piso e refazer toda a hidráulica. Orçamento: R$ 12 mil.
Foi aí que comecei a pesquisar poço artesiano. “Se vou gastar mesmo, pelo menos invisto numa solução que me dê independência”, pensei.
A Primeira Decepção: A Perfuração
Contratei uma empresa que prometeu “água abundante e de qualidade”. Garantiram que na região sempre encontrava água boa entre 80-120 metros.
Resultado da perfuração: água encontrada aos 156 metros. Vazão de 800 litros por hora – metade do que prometeram. E o pior: água com gosto de ferro que deixava tudo amarelado.
“É normal no início”, disse o técnico. “Em algumas semanas a água clareia.”
Algumas semanas se tornaram alguns meses. A água continuava com gosto ruim e cor estranha.
O Problema Que Ninguém Menciona
Descobri na prática que encontrar água é só o primeiro passo. O segundo passo – ter água de qualidade – é mais complicado.
Mandei analisar a água em laboratório. Resultado:
- Ferro: 5,2 mg/L (limite: 0,3 mg/L)
- Manganês: 0,8 mg/L (limite: 0,1 mg/L)
- pH: 5,1 (ácida demais)
- Coliformes: ausentes (pelo menos isso estava ok)
Ou seja: a água não servia nem para regar plantas, quanto mais para uso doméstico.
“Precisa de um sistema de tratamento”, disse o técnico que fez a análise. Custo adicional: R$ 4.200.
Lá se foram mais quatro mil reais que ninguém tinha me avisado.
O Sistema de Tratamento (Outro Perrengue)
Instalei um sistema com:
- Filtro de sedimentos
- Filtro de carvão ativado
- Sistema de injeção de ar (para oxidar ferro)
- Tanque de decantação
- Filtro de areia
Funcionou? Mais ou menos.
A água ficou cristalina, mas o gosto de ferro permaneceu. Pior: o sistema precisava de manutenção constante. A cada três semanas tinha que trocar o filtro de sedimentos (R$ 85 cada).
Comecei a fazer as contas: entre manutenção do sistema e energia para as bombas, estava gastando R$ 280 por mês. Minha conta de água antes era R$ 320. Economia líquida: R$ 40.
Quarenta reais por mês para um investimento de R$ 19.200. Tempo de retorno: 40 anos. Um péssimo negócio.
A Solução Que Mudou Tudo
Depois de oito meses frustrado, um vizinho que também tinha poço me deu uma dica: “Cara, você está usando água de poço para tudo. Isso não faz sentido.”
Ele me explicou que água de poço funciona melhor quando usada estrategicamente:
- Água de poço para jardim, limpeza externa, piscina
- Água da rua para cozinha, banho, beber
“Misturar as duas é burrice”, ele disse. “Usa cada uma para o que ela serve melhor.”
Refiz toda a instalação hidráulica da casa. Investimento adicional: R$ 3.800.
Sistema duplo:
- Água de poço para: jardim, quintal, garagem, área de serviço, descargas
- Água da rua para: cozinha, banheiros, chuveiros
Os Resultados Depois da Mudança
Consumo da rede pública:
- Antes do poço: 32-45 m³/mês
- Depois da nova configuração: 8-12 m³/mês
Economia mensal real:
- Conta de água: de R$ 420 para R$ 110
- Economia líquida: R$ 310 (descontando custos de manutenção)
Tempo de retorno real:
- Investimento total: R$ 23.000
- Economia anual: R$ 3.720
- Retorno: 6,2 anos
Finalmente um resultado que fazia sentido.
O Que Descobri Sobre Qualidade da Água
Cada poço é uma surpresa. Na mesma rua, encontrei três situações diferentes:
Vizinho da direita: Água excelente, sem tratamento necessário. Perfurou há cinco anos e nunca teve problema.
Vizinho da esquerda: Água salobra, impossível de usar. Abandonou o poço e voltou a usar só água da rua.
Minha casa: Água com muito ferro, mas utilizável após tratamento básico.
A lição: Não existe garantia de qualidade. É sempre uma aposta.
Os Custos Escondidos
Além da perfuração, tem uma série de gastos que as empresas não mencionam:
Licenças e documentação: R$ 1.200
- Outorga de uso da água
- Licença ambiental
- Registro no DAEE
Energia elétrica: R$ 80-120/mês
- Bomba submersa consome bastante energia
- Pressurizador também gasta
Análises laboratoriais: R$ 380 anuais
- Obrigatório por lei fazer análise uma vez por ano
- Recomendável fazer de seis em seis meses
Manutenção da bomba: R$ 600-1200 a cada 3-5 anos
- Bomba submersa não dura para sempre
- Troca é cara e complicada
Quando Vale a Pena (E Quando Não Vale)
Vale a pena se:
- Sua conta de água > R$ 300/mês
- Você tem jardim grande ou piscina
- Pretende ficar na casa por mais de 8 anos
- Tem orçamento para investir R$ 20-30 mil
Não vale a pena se:
- Conta de água < R$ 200/mês
- Casa pequena sem área externa
- Você vai sair da casa em poucos anos
- Orçamento apertado
Zona cinzenta:
- Conta entre R$ 200-300/mês
- Depende muito da qualidade da água encontrada
Erros Que Cometi (Para Você Não Repetir)
1. Não pesquisei a empresa direito Escolhi pela proposta mais barata. A empresa era amadora e me deu muito problema.
2. Não pedi referências da região Deveria ter visitado outros poços perfurados pela mesma empresa no bairro.
3. Não calculei todos os custos Focei só no preço da perfuração e esqueci de licenças, tratamento, manutenção.
4. Quis usar água de poço para tudo Estratégia errada. Água de poço funciona melhor para usos específicos.
5. Não fiz análise prévia do terreno Existe estudo geológico que pode prever a qualidade da água. Custa R$ 800 mas pode evitar surpresas ruins.
Dicas Para Quem Vai Perfurar
1. Pesquise poços da região Converse com vizinhos que têm poço. Pergunte sobre qualidade da água, profundidade, problemas.
2. Exija garantias claras Garantia de vazão mínima, qualidade mínima da água, profundidade máxima.
3. Planeje sistema duplo desde o início Não tente substituir totalmente a água da rua. Use cada uma para sua melhor finalidade.
4. Reserve 30% a mais no orçamento Sempre aparece algum gasto extra: tratamento, adaptações, imprevistos.
5. Contrate empresa com histórico Vale pagar mais por empresa experiente que por aventureiros baratos.
A Conta Final Depois de 2 Anos
Investimento total:
- Perfuração: R$ 15.000
- Tratamento: R$ 4.200
- Instalação hidráulica: R$ 3.800
- Total: R$ 23.000
Resultados financeiros:
- Economia mensal: R$ 310
- Economia anual: R$ 3.720
- Retorno do investimento: 6,2 anos
Benefícios extras:
- Independência hídrica durante racionamentos
- Jardim sempre verde sem peso na consciência
- Valorização do imóvel: ~R$ 15.000
Valeu a Pena?
Hoje posso dizer que sim, valeu a pena. Mas foi um caminho muito mais complicado do que imaginava.
Se você tem paciência para lidar com imprevistos, orçamento suficiente para fazer direito, e conta de água alta, pode ser um bom investimento.
Mas não espere que seja simples como as empresas pintam. É um projeto que exige tempo, dinheiro e disposição para resolver problemas.
Meu conselho: se sua conta de água não está te matando, talvez não valha a dor de cabeça. Mas se está, como estava a minha, pode ser uma solução que vale a pena – desde que você saiba no que está se metendo.
E lembre-se: perfurar poço é sempre uma aposta. Às vezes você ganha, às vezes perde. No meu caso, depois de muito perrengue, acabei ganhando. Mas foi por pouco.