Anúncio

    “Você vai construir casa com lixo?”, perguntou minha sogra quando expliquei meu projeto. Não era lixo. Era material de demolição de qualidade, vendido a preço de banana por gente que não sabia o valor do que estava descartando.

    Janelas de madeira maciça por R$ 150 cada (valor novo: R$ 1.200). Piso de taco original dos anos 60 por R$ 8 o metro (valor novo: R$ 85). Portas de madeira de lei por R$ 80 cada (valor novo: R$ 450).

    O resultado? Casa de 95 metros quadrados que seria orçada em R$ 350 mil usando material novo. Gastei R$ 182 mil usando 70% de material de demolição. Economia de R$ 168 mil sem perder qualidade.

    Hoje, 4 anos depois, minha casa é uma das mais bonitas da região. Visitantes perguntam onde comprei aquelas “madeiras especiais”. Não sabem que vieram de demolições de casas antigas da cidade.

    A técnica que desenvolvi pode ser usada por qualquer pessoa disposta a garimpar material bom com paciência e conhecimento.

    A Inspiração: Casa de Demolição

    A ideia surgiu quando visitei a casa de um antiquário. Piso de peroba rosa, janelas de cedro, portas entalhadas à mão. “Que beleza! Onde você encontrou essas madeiras?”

    “Tudo de demolição, meu jovem. Casas antigas que eram demolidas nos anos 80 e 90. Comprei tudo por preço de lenha.”

    Ele me mostrou uma porta de madeira maciça que custou R$ 50 numa demolição. “Essa porta nova hoje custa R$ 800. A madeira é melhor que qualquer coisa que fazem hoje.”

    Foi aí que entendi: material de demolição não é lixo. É tesouro escondido.

    O Planejamento: 70% Usado, 30% Novo

    Defini uma estratégia clara:

    Material de demolição (70% da obra):

    • Pisos de madeira nobre
    • Janelas e portas
    • Elementos decorativos
    • Peças estruturais específicas

    Material novo (30% da obra):

    • Fundação e estrutura
    • Instalações hidráulicas/elétricas
    • Cobertura
    • Acabamentos básicos

    Orçamento:

    • Material novo: R$ 65 mil
    • Material demolição: R$ 45 mil
    • Mão de obra: R$ 72 mil
    • Total: R$ 182 mil

    Fase 1: Mapeando Fontes de Material (3 Meses)

    Primeiro passo foi identificar onde encontrar material de qualidade:

    Demolidoras profissionais: Empresas que demolem casas e prédios antigos. Separei 5 empresas na região e visitava semanalmente.

    Grupos de WhatsApp: “Material de Demolição São Paulo”, “Reuso Construção Civil”. Ofertam material diariamente.

    Facebook Marketplace: Busca por “demolição”, “madeira antiga”, “material usado”. Aparece coisa boa toda semana.

    Indicações de pedreiros: Pedreiros antigos conhecem onde tem demolição boa acontecendo.

    Arquitetos especializados: Alguns arquitetos trabalham especificamente com reuso de materiais.

    Fase 2: Os Primeiros Achados

    Achado 1: Piso de taco de peroba (150m²) Casa dos anos 60 sendo demolida. Dono vendia por R$ 8/m² (novo: R$ 85/m²). Investimento: R$ 1.200 + R$ 800 para restauração Economia: R$ 11.550

    Achado 2: 12 janelas de madeira maciça Demolição de sobrado antigo. R$ 150/cada (novas: R$ 1.200/cada). Investimento: R$ 1.800 + R$ 1.200 restauração Economia: R$ 11.400

    Achado 3: 8 portas de cedro entalhadas Casarão dos anos 50. R$ 80/cada (novas: R$ 450/cada). Investimento: R$ 640 + R$ 800 restauração Economia: R$ 2.160

    Total em 3 achados: R$ 25.110 de economia

    Fase 3: Aprendendo a Avaliar Material

    Nem todo material de demolição vale a pena. Aprendi a identificar:

    Madeira boa:

    • Som “seco” quando bate (madeira seca)
    • Sem cupim (furinhos pequenos = problema)
    • Sem apodrecimento (madeira mole = descarte)
    • Espécie nobre (peroba, cedro, ipê)

    Madeira ruim:

    • Som “abafado” (umidade excessiva)
    • Muitos furos de cupim
    • Rachaduras profundas
    • Madeira comum pintada (eucalipto, pinus)

    Janelas aproveitáveis:

    • Estrutura sólida sem empenamento
    • Vidros podem estar quebrados (troca é barata)
    • Ferragens podem estar ruins (substitui fácil)
    • Madeira sem cupim

    Elementos decorativos:

    • Peças entalhadas à mão (impossível de reproduzir)
    • Detalhes arquitetônicos únicos
    • Lambris e frisos originais
    • Elementos de ferro fundido

    Fase 4: Negociação e Transporte

    Estratégias de negociação que funcionaram:

    Compra em lote: “Levo tudo junto por X.” Sempre mais barato que comprar separado.

    Pagamento à vista: Desconto de 20-30% pagando na hora.

    Remoção própria: Se você remove, preço cai 40%. Aluguel de caminhão compensa.

    Relacionamento: Deixar contato para próximas demolições. Ser o primeiro a saber.

    Transporte próprio:

    • Aluguel de caminhão: R$ 250/dia
    • 2 ajudantes: R$ 200
    • Total: R$ 450 por carregamento
    • Compensava sempre que comprava mais de R$ 2.000

    Fase 5: Restauração dos Materiais

    Piso de taco:

    • Lixamento profissional: R$ 5/m²
    • Aplicação de verniz: R$ 3/m²
    • Custo total: R$ 8/m² de restauração
    • Resultado: piso novo por R$ 16/m² (mercado: R$ 85/m²)

    Janelas de madeira:

    • Decapagem da tinta: R$ 80/janela
    • Lixa e tratamento: R$ 50/janela
    • Vidros novos: R$ 120/janela
    • Ferragens: R$ 80/janela
    • Total: R$ 330/janela (mercado: R$ 1.200)

    Portas:

    • Restauração completa: R$ 100/porta
    • Ferragens novas: R$ 50/porta
    • Total: R$ 230/porta (mercado: R$ 450)

    Fase 6: Integração na Obra

    Usar material de demolição exige adaptação do projeto:

    Dimensões não padronizadas: Janelas antigas têm medidas diferentes das atuais. Projeto precisa se adaptar às peças encontradas.

    Instalação especializada: Pedreiro precisa ter experiência com material antigo. Nem todo profissional sabe trabalhar com isso.

    Planejamento flexível: Projeto evolui conforme material encontrado. Não dá para definir tudo antes de achar as peças.

    Combinação inteligente: Material antigo valorizado + material novo simples = resultado equilibrado.

    Os Desafios Enfrentados

    Desafio 1: Timing Material bom aparece quando aparece, não quando você precisa. Tive que estocar peças por meses.

    Solução: Aluguel de galpão por R$ 200/mês. Custou R$ 1.200 mas valeu a pena.

    Desafio 2: Qualidade variável 20% do material que comprei não prestou. Cupim escondido, rachaduras não visíveis.

    Solução: Sempre comprar 20% a mais do necessário. Perda faz parte do processo.

    Desafio 3: Mão de obra especializada Nem todo pedreiro sabe trabalhar com material antigo.

    Solução: Encontrei mestre de obras de 60 anos que tinha experiência. Custou 20% mais caro mas valeu.

    Desafio 4: Cronograma Obra com material de demolição demora mais. Restauração leva tempo.

    Solução: Comecei restauração 3 meses antes da obra. Quando chegou a hora, material estava pronto.

    Os Melhores Achados

    Achado mais valioso: Escada caracol de ferro fundido

    • Preço pago: R$ 800
    • Preço de mercado: R$ 15.000
    • Economia: R$ 14.200

    Achado mais útil: Lote de azulejos hidráulicos

    • Preço pago: R$ 1.200 (30m²)
    • Preço novo: R$ 150/m² = R$ 4.500
    • Economia: R$ 3.300

    Achado mais bonito: Vitrais originais anos 20

    • Preço pago: R$ 400 (conjunto)
    • Preço de reprodução: R$ 3.500
    • Economia: R$ 3.100

    Resultado Final: A Casa Pronta

    Características únicas que só material de demolição permitiu:

    • Piso de peroba rosa em toda área social
    • Janelas de cedro com ferragens originais de bronze
    • Portas entalhadas à mão de diferentes épocas
    • Escada caracol como elemento central
    • Azulejos hidráulicos únicos
    • Vitrais que filtram luz colorida

    Orçamento final:

    • Material novo: R$ 67.000
    • Material demolição: R$ 43.000
    • Restauração: R$ 12.000
    • Mão de obra: R$ 60.000
    • Total: R$ 182.000

    Avaliação atual: R$ 420.000 Valorização: R$ 238.000

    Lições Importantes

    1. Paciência é fundamental Material bom aparece, mas no tempo dele. Pressa faz comprar mal.

    2. Conhecimento vale ouro Saber identificar madeira boa evita desperdício e prejuízo.

    3. Rede de contatos é essencial Demolidoras, pedreiros, antiquários. Quanto mais gente souber que você compra, mais oferta aparece.

    4. Qualidade supera economia Melhor pagar mais caro por peça boa que barato por porcaria.

    5. Projeto flexível permite surpresas boas As melhores características da casa surgiram de achados inesperados.

    Para Quem Quer Tentar

    Comece pequeno: Primeira experiência, use material de demolição só em 20-30% da obra.

    Foque no que mais impacta: Pisos e janelas fazem maior diferença visual.

    Tenha reserva de tempo: Obra com material de demolição demora 30-50% mais.

    Invista em restauração: Material mal restaurado fica pior que material novo barato.

    Tenha local para estocar: Compra à medida que encontra, não à medida que precisa.

    Fontes Atuais de Material

    WhatsApp: “Material Demolição SP” (grupo com 890 pessoas) Facebook: “Reuso Materiais Construção Civil” Instagram: @demolicoessp @materiaisantigos Sites: mercadolivre.com.br (busca “demolição”) Presencial: Demolidora Santos (Vila Madalena), Reuso Arquitetônico (Bela Vista)

    A Transformação Pessoal

    Construir com material de demolição mudou minha relação com consumo e desperdício. Passei a ver potencial onde outros veem lixo.

    Desenvolvi “olho clínico” para madeira boa, ferragens antigas, elementos arquitetônicos únicos. Virou quase um hobby garimpar material interessante.

    Mas o principal: consegui construir casa dos sonhos gastando metade do orçamento. Material de demolição permitiu ter qualidade que seria impossível com orçamento limitado.

    O Conselho Final

    Se você tem orçamento apertado mas quer casa com personalidade, considere usar material de demolição. Não precisa ser 70% como fiz. Mesmo 30% já faz diferença enorme.

    Requisitos para dar certo:

    • Paciência para garimpar
    • Conhecimento para avaliar
    • Flexibilidade no projeto
    • Mão de obra experiente

    Resultado: Casa única, econômica, sustentável e cheia de história.

    Minha casa não é só onde moro. É obra de arte construída com materiais que contam histórias de décadas passadas.

    Material de demolição não é lixo. É patrimônio mal aproveitado esperando uma segunda chance de brilhar.

    Se você vai construir e tem espírito de garimpeiro, essa pode ser a oportunidade de ter casa dos sonhos gastando muito menos que imaginava.